Os esteroides anabólico-androgênicos (EAA) são um grupo de compostos naturais e sintéticos formados pela testosterona e seus derivados1. A testosterona é sintetizada desde 1935 e durante a 2ª Grande Guerra foi utilizada pelas tropas alemãs para aumentar a agressividade dos soldados. Seu uso terapêutico até esta época restringia-se ao tratamento de pacientes queimados, deprimidos ou em recuperação de grandes cirurgias. Nos anos 50, foi utilizada sob forma oral e injetável no tratamento de alguns tipos de anemia, em doenças com perda muscular, bem como em pacientes pós cirúrgicos para diminuir a atrofia muscular secundária.
Em 1939 foi sugerido que sua administração poderia melhorar a performance de atletas, mas a primeira referência ao uso de hormônios sexuais para melhorar o desempenho de atletas ocorreu em 19541,3, em um campeonato de levantamento de peso em Viena, e seu uso tornou-se difundido com este fim a partir de 1964. No Brasil, os EAA são considerados “doping”, segundo os critérios da Portaria 531, de 10 de julho de 1985 do MEC, seguindo a legislação internacional.
O termo “doping” deriva de um dialeto africano e refere-se a uma bebida estimulante usada em cerimônias religiosas. O Comitê Olímpico Internacional define como “doping” o uso de qualquer substância exógena ou endógena em quantidades ou vias anormais com a intenção de aumentar o desempenho do
atleta em uma competição5. O uso ilícito dos EAA dá-se por atletas na crença de que essas drogas aumentam a massa muscular, a força física e a agressividade em competições, e diminuem o tempo de recuperação entre exercícios intensos. Também é descrito o uso pela expectativa de tratar ou prevenir lesões decorrentes da prática de esportes.
Os EAA têm sido abusados, também, por não atletas com fins estéticos, pelo desejo de ganhar peso e melhorar a aparência, sendo muitas vezes associados ao uso de álcool, cocaína e outras drogas ilícitas para promover agressividade. É particularmente perturbador o aumento da frequência do seu uso entre os adolescentes, conforme detectado em estudos internacionais.
Casos de doping vêm se tornando cada vez mais frequentes em nosso país e no mundo. Ciente desse problema, a Agência Mundial Antidoping (AMA) vem realizando importante trabalho na conscientização e controle de atletas de elite, com publicação anual de relatórios a respeito do controle antidoping realizado internacionalmente.
As estatísticas nacionais sobre o uso de anabolizantes em academias, apesar de não serem numerosas, indicam claramente um problema de saúde pública, pois mostram números em torno de 95%, em um estudo piloto realizado em academias da cidade de Porto Alegre, embora os autores tenham privilegiado praticantes de musculação no projeto piloto de uma dissertação de mestrado. Autores, usando o processo de questionário, encontraram esteroides em 19% dos frequentadores de grandes academias na cidade de São Paulo. A justificativa para este pequeno número de trabalhos reside, provavelmente, na independência dos programas de controle antidoping realizados pelas confederações desportivas e pelos Comitês Olímpico (COB) e Paraolímpico (CPB). Sendo assim, torna-se difícil a compreensão global das ações antidoping implementadas em nosso país.
A luta contra a dopagem compreende, idealmente, não só a programação de controles antidoping durante e fora de competições esportivas, mas especialmente uma conscientização e orientação dos atletas a respeito desta importante temática, bem como de um processo de julgamento no tempo e na forma adequada dos atletas quando ocorre um resultado analítico adverso no laboratório.
No que diz respeito aos projetos que visam esclarecer aos atletas a respeito de doping e antidoping, o COB produz anualmente, desde 2001, um manual sobre “Uso de medicamentos no esporte” em que constam, além de um histórico de doping e dos direitos e deveres dos atletas, o nome das substâncias e métodos proibidos pela AMA no esporte, e também uma listagem atualizada com o nome comercial dos medicamentos que podem ser utilizados em diferentes situações clínicas.
O fundamental, nessa discussão, é que o doping é o resultado de uma prática científica, que é utilizado para criar subterfúgios e melhorar o rendimento individual, desconsiderando, contudo, as práticas julgadas moralmente aceitas e desejáveis. Assim, ao somarmos os aspectos morais à falta de fundamentação e consistência nos argumentos que condenam o doping, fazemos com que o esporte e outras atividades corporais, vistos numa perspectiva de rendimento, mantenham-se como ações inquestionáveis, permeadas de contradições internas e geradoras de conflitos morais que contradizem suas idealizações.
Referências: